terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Lembra da última vez que sorrimos?


Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava.
Caio Fernando Abreu

- É, fazia tempo que não vínhamos nesse bar.
(Suspirou fundo e o silêncio pairou ali por alguns segundos)
- Fazia tempo que não íamos a lugar algum...
- Lembra da última vez que sorrimos?
- Não. Deve fazer muito tempo. Mas lembro que era lindo.
- E faz, faz tempo sim. Acho que faz mais tempo do que o momento em que nos perdemos... E não nos perdemos de uma forma doce, delicada e quase imperceptível. Nos perdemos da forma visceral que sempre fomos! Nos perdemos da mesma forma que foi nosso primeiro beijo: Intenso, real, vivo, perdido... Nos perdemos de um jeito que nem mesmo entendemos. Jogamos-nos do alto de um precipício e quando chegávamos ao chão soltamos nossas mãos, soltamos nossos braços e abrimos ele como se a sensação da queda fosse doce mas não era, não gostávamos da queda mas talvez precisássemos nos perder... Sabe, como quando uma criança perde aquele brinquedo que tanto amava para aprender a dar valor? Pois é... Meu bibelô de Cristal está perdido, quem sabe talvez quebrado, trincado... Sujo sei que está, e não está por perto para eu depositar toda minha parte e todo meu amor que sobra dentro de mim. Nosso amor era tão lindo Menina, lindo de encher os olhos. Lindo de um jeito que até mesmo a lua se invejava de nunca ter vivido algo tão cheio, tão farto que chegava a transbordar pelos nossos olhos. Era lindo, era doce, era limpo e agora está sujo, perdido.
- O que se perde, um dia se encontra?
- Nem sempre, talvez o que se perdeu esteja do seu lado e você não viu porque não quis. Não encontrou porque não procurou. Talvez já não sentisse falta. Talvez aquela outra parte do bibelô de cristal não era tão importante assim... E eu só sei de uma coisa, quando você não procura é porque vive bem sem.
- E o que se quebra, trinca... Tem um jeito de ser consertado?
- Nem sempre. Quem sabe? Mas antes deve ser encontrado.
- Por favor, conserte seu bibelô, talvez ele precise disso mais do que você imagina.
Ele sorriu, e ela com os olhos cheios de lágrima sentia-se de novo aquela coisinha chamada esperança. Aquela coisa que nos conduz a um fio de felicidade tendo certeza que ela um dia vai existir. Vai existir, vai sim. De mãos dadas saíram do bar. O bibelô precisava de um conserto enquanto o seu dono, todo delicado colava e limpava cada parte do seu coração de cristal trincado pelo tempo. Agora sim, a lua já não se inveja desse amor, ela sente orgulho por presenciar algo tão lindo assim.

Para ouvir enquanto lê: De Janeiro a Janeiro - Roberta Campos