Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida.
Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás.
Não olhava, pois, e, pois não ficava. Completo, partiu.
- Não te quero. Nunca te quis... Será que você não entende?
Ela louca por ele, fitando-o de forma descompassada disse-lhe:
- Eu não entendo. Não posso entender como fiz de você uma razão pra viver! Não posso entender como alguém passa a amar mais a outra pessoa que a si mesma... Quer dizer, eu sei, eu amo. Eu te amo e te odeio todos os dias, por cada segundo que passo é assim! Meu amor por você é tão alienado que passo a crer até mesmo em mentiras incabíveis quando te olho. Ah, quando te olho... Esse mundo de crendices, desafetos e amarguras desaparecem. Quando eu te olho eu me acalmo e me sinto mais perto de mim mesma, sinto minha alma saindo pela minha carne e penetrando em meus poros.
Eu te odeio tanto, tanto! Te odeio tanto por não corresponder a esse amor, que mesmo sujo, tolo, sem graça, exposto em sangue... É o que me limpa de estar viva mesmo sem querer. Querer, sim eu quero. Eu quero você! Te quero por nós dois. O meu amor é tão grande que ultrapassaria as barreiras dos desejos ocultos em você e faria você me olhar com os olhos de carinho e ternura. Eu te amo tanto, que é por você que espero todos os dias ainda naquela praça... Sentada com minhas sapatilhas cor-de-rosa, aguardando um encontro que ficou prometido só nas entrelinhas dos meus pensamentos. Tenho tanta coisa para te dizer! Tanto sentimento-abobalhado-aumentado-exagerado para lhe mostrar.
Vem comigo, afunde, lute, brinque, sorria ao ver meu sorriso... Eu te preciso tanto!
Me deixa chafurdar nessa dor de sentimentos exagerados, eles fazem eu me sentir mais viva, mais menina serelepe brincando de dança de roda... A vida sem você é muito ruim meu companheiro. Sem cor, nem mesmo dor... Nem nada.
Ele então lhe deu um abraço apertado, beijou-a na testa com todo respeito que sentia pelo sentimento da menina e saiu calado, andando pela noite fria. Provavelmente seguiria sua vida, conheceria outras moças, outros gostos, outros cheiros... É o ciclo.
A menina princesa de um castelo desabitado, de um príncipe sem cavalo branco, por sua vez, alternando entre os soluços e lágrimas, sentiu um alívio tremendo por enfim dizer tudo que sentia, tudo que saía de cada parte de sua carne viva tão cheia de cicatrizes.
E então ela também saiu andando, com um sorriso doce no canto da boca e lágrimas escorrendo em sua face. Enquanto andava com o coração leve se enchia de Vinícius de Moraes e cantava, amargurada porém com uma pontinha de esperança que tudo um dia podia mudar: "A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranqüila depois de leve oscila... E cai como uma lágrima de amor!"